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"NÃO HÁ SALVAÇÃO EM NINGUÉM MAIS!".

sexta-feira, 2 de março de 2012

INTRODUÇÃO: TORAH (LEI) - ANTIGA ALIANÇA: TANAKH:

ANTIGO TESTAMENTO

INTRODUÇÃO


O Antigo Testamento é uma
coletânea de escritos que os judeus chamam “a Lei, os Profetas e os Escritos”
(abreviado conforme o hebraico, a Tanak), ou simplesmente “ a
Escritura”. Quando os cristãos consideraram que suas próprias escrituras “apostólicas”
expressavam as disposições de uma “Nova Aliança” (ou “Novo Testamento”) entre
Deus e seu povo, denominaram as escrituras anteriores de Antigo Testamento, ou
seja, a Antiga Aliança.
A presente Introdução quer
apresentar o ambiente geográfico e histórico no qual nasceu o Antigo
Testamento, explicar como foram reunidos os livros que o constituem, como nos
foram transmitidos e qual seu significado para o crente de hoje.


A)
A TERRA DA BÍBLIA

1. O
“Crescente e Fértil”. A terra de Israel, chamada na Bíblia terra de Canaã e
pelos geógrafos antigos e modernos, “Palestina” (Isto é, “terra dos
filisteus”), é um pequeno setor de um vasto conjunto geográfico em forma de
meia-lua denominado o “Crescente Fértil”. Essa região tem, de fato, a forma de
um arco cujo centro se situaria no deserto da Síria e ao norte do deserto da
Arábia, regiões quase impenetráveis na Antiguidade. O próprio Crescente é uma
zona irrigada por rios mais ou menos importantes: Tigre, Eufrates, Oronte,
Litâni, Jordão. A essa região é preciso acrescentar o importante vale do Nilo,
uma espécie de prolongamento, embora os geógrafos não o situem no “Crescente”
propriamente dito. A margem interna do Crescente é formada por regiões
semidesérticas que fazem a transição com o deserto, enquanto no exterior se
estendem maciços montanhosos: Planalto Iraniano, Armênia, Tauro. Deste
Crescente, a Síria e a Palestina formam a parte
mais estreita: entre o Mediterrâneo e o deserto, ocupam um corredor de
menos de 100 quilômetros de largura, que faz a ligação entre a Mesopotâmia e o
Vale do Nilo.
Esse conjunto abrigou desde cedo
uma importante população e viu desenvolverem-se vários grandes focos de
civilização. As mais importantes concentrações foram feitas no Vale e no Delta
do Nilo e nos cursos inferiores do Tigre e do Eufrates. Entre estas duas
extremidades, a circulação era intensa. A parte principal seguiu o Eufrates,
atravessava a Síria por Palmira e Damasco, a Palestina por Meguido e Jafa, para
atingir o Egito por Gaza e Rafia. Em Damasco, podia-se tomar, margeando o
deserto, a rota trans-jordaniana, que permitia chegar à Arábia por Eliat, e no
Egito pela península do Sinai. Um último itinerário, mais frequentado pelos
transportadores, ia diretamente do Eufrates aos portos fenícios (Tiro, Sídon,
Bíblos), de onde estava assegurado a ligação por mar com o Egito. Por essas
grandes vias de comunicação, circulavam as mercadorias, os exércitos e também
as ideias.
O Crescente Fértil não era um
mundo fechado. Comunicava-se diretamente com a Arábia, com a África através do
Egito e da Etiópia, com a Índia através do Irã, e também com o Ocidente:
Chipre, Creta, Ilhas Gregas, Jônica, mais tarde Grécia continental e Itália.
Sempre houve intercâmbio comerciais entre o Crescente Fértil e a bacia
mediterrânea, o que deu aos países do Mediterrâneo e do Oriente Próximo certa unidade cultural.

2. Estrutura
da Palestina. Neste conjunto, a Palestina ocupa uma posição bastante
marginal, embora se encontre inserida num importante corredor. Com efeito, o
coração do país se encontra bem próximo dos grandes eixos de comunicação , mas
a região está tão compartimentada que seus habitantes se veem constrangidos a um certo isolamento.
De modo bastante sumário,
podem-se distinguir quatro faixas orientadas no sentido norte-sul:
a) uma faixa costeira: o litoral
mediterrâneo, estreito e pouco favorável ao estabelecimento de portos,
prolonga-se numa cadeia de colinas (chamada Shefelá – Baixada – no sul),
cortada por pequenas planícies;
b) uma cadeia central: bastante
elevada ao sul, na Judeia (mais de 1.000 m), abaixa-se à medida que se vai para o norte, mas acaba
por levantar-se na extremidade setentrional do país, antes de se prolongar no
maciço do Líbano. Depressões transversais delimitam nitidamente três regiões:
Judeia, Samaria, Galileia. A mais importante dessas depressões é a planície de
Jezreel, ou Esdrelon. Limitada a oeste pelo monte Carmelo;
c) uma
grande depressão ocupada pelo vale do Jordão, o lago da Galileia e o mar Morto;
prolonga-se ao sul pelo vale da Arabá, que termina no Golfo de Ácaba. Esta
depressão, que prolonga as falhas geológicas dos grandes lagos africanos, é o
fosso continental mais profundo de toda a terra: o mar Morto está 390m abaixo
do nível do Mediterrâneo;
d) o
planalto trans-jordaniano, cuja margem ocidental sobreolha a depressão central.
Sua parte sul é recortada pelas gargantas dos afluentes de Jordão e do mar
Morto (Arnon, Jaboc). A parte norte, menos abrupta, forma uma cadeia mais
elevada do que a cadeia central, o Hermon e o Antilíbano são seus prolongamentos.

3. Condições
de vida na Palestina. Apesar de variar com as regiões, o clima da Palestina
apresenta alguns traços comuns: bastante ensolarado, chuvas distribuídas em
poucos dias, estação seca de maio a outubro, grande irregularidade da
quantidade de chuva (que pode diminuir ou duplicar de um ano para outro).
O índice pluviométrico decresce
rapidamente de oeste para leste e de norte a sul. Desse modo, podem-se
distinguir três regiões climáticas:
-
entre a costa e as colinas centrais, uma região
razoavelmente irrigada por chuvas, que permite as culturas mediterrâneas:
trigo, cevada, vinho, oliveira, frutas e legumes;
-
na vertente leste do maciço da Judeia e no
Négueb, uma região semidesértica apta para algumas culturas periódicas e
criação de ovelhas;
-
uma região desértica, uma estepe , que fornece
algumas pastagens periódicas.
Nas duas últimas regiões,
encontram-se alguns oásis férteis, mas de superfície bastante reduzida.
Se, em comparação com as regiões
semiáridas, as regiões irrigadas podiam passar por “terra boa”, uma “terra que
mana leite e mel”, a vida nelas era sempre precária e a terra não podia
alimentar uma população numerosa, que não parece ter ultrapassado um milhão de
pessoas nos tempos bíblicos. As duas maiores cidades, Jerusalém e Samaria, não
chegaram a contar mais de 30.000 habitantes. As outras cidades eram simples
cidades fortificadas. O resto da população habitava povoados agrupados ao redor
das nascentes.


B)
ISRAEL NO MEIO DAS NAÇÕES

1. As
grandes etapas da história de Israel
a) As origens de Israel, como as
da maioria dos povos, são muito difíceis de estabelecer. A entrada de Israel
história, por volta de 1200 a.C., foi precedida por um longo período de
formação (8 ou 9 séculos), que escapa em grande parte aos historiadores. No
entanto, Israel guardou desse período lembranças de acontecimentos e de
personagens marcantes, lembranças que se conservaram na tradição oral,
narrativas que se transmitiam de uma geração a outra. Esses relatos podem
conservar muitas informações úteis ao historiador. Confrontando essas tradições
com o que sabemos da história do Oriente Primitivo e com os documentos
fornecidos pela arqueologia, pode-se chegar a certo conhecimento desse período
decisivo.
Os antepassados dos israelitas
devem ser procurados entre os semitas seminômades, criadores de ovelhas, que
circularam durante todo o segundo milênio pelas margens semidesérticas do
Crescente Fértil. Pouco a pouco, esses grupos acabaram por se fixar; por vezes
chegaram até a dominar uma região já ocupada por outras populações. Entre as
seminômades, dois grupos são mais conhecidos: os amorreus (emoritas), que se
fixam na Mesopotâmia, na Síria e na Palestina por volta de 2000 a.C., e os
arameus, que se fixam na Síria no século XIII a.C. Mas os documentos egípcios e
mesopotâmicos assinalam muitos outros grupos que se infiltravam continuamente
na Mesopotâmia, na Palestina e no Egito.
Desse período pouco conhecido, a
tradição bíblica faz emergir algumas grande figuras. Abraão, Isaac,
Jacó-Israel e os ancestrais das tribos israelitas. É difícil avaliar o
valor histórico dos dados sobre os patriarcas fornecidos pela tradição.
Confrontando-se com os dados da história e de arqueologia, pode-se presumir que
os patriarcas se fixaram na Palestina no século XIX ou XVI a.C.
- segundo outras estimativas entre os séculos XVIII e XVI a.C. - e que
vinham da Mesopotâmia (Abraão vinha de Ur na Siméria, Jacó de Harran no
Médio-Eufrates). Os autores bíblicos se preocupam muito menos em situá-los na
história de seu tempo do que em mostrar como eles se tornaram os pais
espirituais do povo de Deus: adoradores e confidentes do único verdadeiro Deus,
receberam dele ricas promessas para sua posteridade (Gn 15; 17).
Uma parte de seus descendentes se
estabeleceu no Egito, em companhia de outros grupos semíticos. É impossível
fixar uma data para a implantação, que se processou lentamente, no decorrer de
quatro ou cinco séculos. Há, pelo menos, dois períodos que podem ter tornado
esta instalação mais fácil:
-
A denominação dos hicsos, vindos da Palestina e
que governaram o Egito de 1700 a 1550 aproximadamente;
-
O enfraquecimento do poder egípcio, que marcou o
reino do faraó Akhenaton (1364-1347).
b) O nascimento do povo foi um
processo complexo, que começou provavelmente em 1250, sob o faraó Ramsés II.
Grupos semitas estabelecidos no Egito, submetidos a duras corvéias, conseguiram
fugir sob a direção de Moisés, que os reagrupou ao redor do Sinai, depois no
oásis de Qadesh (Cades), ensinando-os a servir ao Senhor, a quem devem a
libertação, e dando-lhes um início de organização.
A Bíblia dá grande destaque a
esses acontecimentos fundamentais, que apresenta como ato de nascimento de
Israel, o ponto de partida de sua história. Três fatos são especialmente
destacados: a partida do Egito depois de uma série de catástrofes, sinais da
intervenção do Senhor (Êx 7-12), a passagem do mar (Êx 14-15) e o encontro
entre Israel e seu Deus no Sinai ou no Horeb Êx 19-24).
As tribos que escaparam do Egito
penetram em seguida na Palestina. Umas pelo sul, outras pelo leste. Trata-se em
geral de movimentos dispersos, de infiltrações pacíficas em regiões pouco
habitadas. Mas em vários lugares, os recém-chegados devem guerrear contra as
cidades cananeias, que tentam detê-las. As vitórias israelitas são
compreendidas como novas provas da intervenção do Senhor, que dá a seu povo a
“boa terra” prometida a seus antepassados. Entre os chefes de tribos que se
destacaram nas batalhas, a Bíblia conservou sobretudo Josué, chefe de Efraim,
que parece ter desempenhado um papel importante no reagrupamento das tribos,
tanto das que vinham do Egito como das que já estavam instaladas na
Transjordânia e na Galileia. Israel é, de agora em diante, um povo constituído,
embora sua estrutura política ainda seja muito maleável.
A “federação” das tribos pouco a
pouco toma consistência no decorrer dos séculos XII e XI a.C., porque devia
resistir a diversas ameaças: assaltantes nômades, reinos da Transjordânia,
cidades cananeias. O perigo principal vinha dos filisteus, desembarcados nas
costas da Palestina no início do século XII a.C., que se apresentavam como os
concorrentes mais sérios de Israel na posse da Palestina. Durante muito tempo,
as tribos se contentam com alianças defensivas, limitadas e temporárias, sob a
conduta de chefes inspirados aos quais se dava o título de “Juízes”. Mas tendo
a ofensiva filisteia se tornado mais ameaçadora, as tribos decidem reforçar a
coesão pondo à sua frente um rei, conforme o modelo dos povos vizinhos.
c) A
monarquia. Após o fracasso do reinado de Saul, o judeu David é reconhecido como
rei por todas as tribos, pouco antes do ano 1000 a.C. (2Sm 5). David repele os
filisteus para a costa e empreende uma série de guerras ofensivas contra os
arameus; chegará a impor sua dominação a todos os estados vizinhos até o norte
da Síria. Ao mesmo tempo, começa a organizar o Estado. Instala a capital em
Jerusalém e para lá transfere a arca da aliança, centro do culto comum às
tribos.
É a seu filho Salomão que compete
concluir a organização do reino com a criação de um aparelho administrativo e
de um exército permanente bem-equipado. Salomão desenvolve o tráfego comercial,
que propicia ao país um rápido enriquecimento e enseja ao jovem reino um lugar
invejável em meio às nações. Ele multiplica as construções em Jerusalém e em
todo o reino. Sua obra mais importante é a construção do templo de Jerusalém
(1Rs 6-8), centro de reunião das tribos, no qual Israel vê o sinal da presença
permanente do Eterno no meio de seu
povo, a prova de que o povo de Deus está constituído e estabelecido em solo próprio.
O fim do reinado de Salomão foi, contudo, marcado por séries reveses (1Rs 11).
O filho de salomão, Roboão, não
era capaz de governar o estado, apenas aparentemente unificado. Revoltadas por
um despotismo oneroso, as tribos do centro e do norte provocam a secessão, em
933 a.C., e se constituem em estado independente, o reino de Israel. Isoladas
no sul, as tribos de Judá e de Benjamin continuam fiéis ao descendente de David
no reino de Judá. Durante dois séculos, o povo de Israel estará dividido em dois
estados mais ou menos rivais.
Constituído pelas regiões mais
ricas e mais povoadas do pais, o reino do Norte conheceu períodos brilhantes,
especialmente sob Omri (886-875), o fundador de Samaria, sob Acab, sob Jeroboão
II. Mas, minado por uma instabilidade dinástica crônica, não teve meios para se
opor à expansão assíria. Foi varrido pela ofensiva de Tiglat-Piléser em 738
a.C.; a última resistência foi quebrada em 722-721 a.C., entre a tomada de
Samaria. Parte da população foi deportada, e o território do reino tornou-se
província assíria.
O reino do Sul, pobre, cercado
por vizinhos hostis, não podia desempenhar um papel importante e parece ter
sido bastante influenciado pela política egípcia. Logrou, no entanto, conservar
seu lugar no meio das nações sob reis como Asá, Josafat, Ezequias, que teve de
recolher o que restou do reino do norte, e Josias, a quem Judá deve seu último
surto de independência. Mas após um prazo de pouco mais de um século, foi a vez
de o pequeno reino ruir: os babilônios de Nabucodonosor arrasam Jerusalém e
deportam parte de seus habitantes (587 a.C.).
Dispersos por toda a Mesopotâmia
ou refugiados no Egito, os israelitas muitas vezes se assimilaram aos povos que
os acolheram. Mas alguns grupos de origem judaísta souberam manter a coesão e
preservaram uma vida religiosa própria: a organização que deram a suas
comunidades foi a origem das sinagogas. Para esses grupos, o exílio foi a
ocasião de refletir profundamente sobre a vida de seu povo e de fazer o balanço
da História de Israel, vários livros da Bíblia são fruto dessa meditação.
Mas os profetas não esperaram o
fim do reino de Judá para expressar um juízo de valor sobre os fatos que
estavam ocorrendo. Ensinaram o povo de Deus a ver a obra do Senhor em todos os
acontecimentos, tanto os mais gloriosos como os mais trágicos. Nas catástrofes
que, a partir do século VIII a.C., se abateram sobre os dois reinos,
reconheceram as consequências das infidelidades cometidas pelo povo contra
Deus: culto aos deuses estrangeiros e injustiça social. Mas deixaram entrever
igualmente o retorno do povo infiel à graça e delinearam perspectivas de
esperança.
d) A
comunidade judaica. Com efeito, menos de 50 anos após a queda do reino de Judá,
a situação se inverte: o império babilônico desmorona sob os golpes dos persas.
Um decreto de Ciro, em 538 a.C., autoriza a reconstrução do Templo de
Jerusalém, ao redor do qual se reagrupam os judeus que retornaram do exílio. É
apenas uma pequena comunidade, que cresce lentamente em meio a numerosas
dificuldades. Ela deve enfrentar especialmente a hostilidade dos que ficaram na
região e ocuparam a terra. Neemias e Esdras, no século V a.C., dão-lhe uma
organização definitiva. Sem influência no domínio político, ela deixou
profundas marcas no âmbito religioso. Foi no decorrer desse período que a maior
parte dos livros do Antigo Testamento
recebeu a foma final.
Em 333 a.C., Alexandre Magno pôs
fim à dominação persa e assegurou, no terreno político, a vitória do helenismo.
Incorporada ao Império Macedônico, a terra de Israel terá de sofrer muitas
vezes por causa das lutas entre os sucessores de Alexandre. Durante um século e
meio, a comunidade judaica viverá em paz geral com o mundo grego. Mas em 167
a.C., o conflito explode: Antíoco IV quer abolir o estatuto particular de
Jerusalém e lança o interdito sobre as práticas judaicas na Palestina. Os
irmãos macabeus desencadeiam uma insurreição armada, que acaba por ser
vitoriosa. Simão Macabeu, reconhecido como sumo sacerdote, obtém a
independência para a Judeia (141 a.C.). Durante quase um século, seus
descendentes, os hasmoneus, que se tinham arrogado o título de reis, mantiveram
a situação, à qual os romanos puseram fim em 63 a.C., quando Pompeu se apoderou
de Jerusalém e fez da Judeia uma província romana (cf. Introdução ao Novo
Testamento).
No decorrer desse período, a
comunidade judaica se separa progressivamente dos samaritanos que, vivendo em
redor do santuário de Siquém, herdaram das tribos do centro algumas tradições
opostas às de Jerusalém.
As invasões assírias, no século
VIII a.C., dispersaram bom número de israelitas na Mesopotâmia, no Egito e em
outros países. Muitos não retornaram à Judeia, depois de 538 a.C. A unificação
de numerosos povos sob a dominação grega favoreceu um movimento de emigração
através de todo o Oriente Próximo e em torno da bacia do Mediterrâneo,
especialmente no Egito. Desde o século II a.C., Alexandria conta mais judeus do
que a Judeia. Ao mesmo tempo, desenvolve-se um intenso esforço de propaganda,
que levará ao judaísmo muitos convertidos, os “prosélitos”. Todos esses judeus
residentes no estrangeiro constituem a diáspora (dispersão), muito mais
numerosa do que a população da Palestina, metade da qual, aliás, não era
judaica. Agrupados ao redor de sinagogas e, apesar da distância, muito apegados
a Jerusalém e ao Templo, esses judeus partilham ao mesmo tempo a vida dos povos
em meio aos quais residem. Eles contribuíram para dar ao judaísmo um semblante
novo e o prepararam para superar a grande provação que foi, em 70 d.C., a
guerra contra os romanos, que terminou com a ruína do Templo e, após uma
derradeira resistência com Bar-kokbá (em 135), com a supressão da nação
judaica.


2. As
nações em torno de Israel. No decorrer dos séculos, o Crescente Fértil foi
o lugar de migração de numerosos povos de proveniência, cultura e religião
diversas. Israel esteve em contato mais ou menos estreito com muitos dentre
eles.
a) Vizinhos imediatos. Eram
pequenos estados, cujos habitantes tinham mais ou menos a mesma origem que os
israelitas.
No sudeste, os edomitas ocupavam
o maciço de Seir, o vale da Arabá e a região de Petra. Mais ao norte,
encontrava-se o reino de Moab (a leste do mar Morto), depois o reino de Amon
(cf. A atual Amã). Na fronteira norte, Israel encontrava os reinos arameus
(Damasco, Hamar). Apesar de os conflitos com esses países terem sido crônicos,
Israel considerava que seus povos tinham com ele um parentesco, expresso nas
genealogias: Amon e Moab eram os sobrinhos-netos de Abraão, Edom (Esaú) era o
irmão de Jacó, o arameu Labão era tio e sogro de Jacó.
No noroeste se encontravam os
fenícios, marinheiros e comerciantes que, durante toda a Antiguidade, sulcaram
os mares, estabelecendo feitorias e colônias às margens do Mediterrâneo.
Biblos, Sidom e Tiro foram periodicamente as capitais deste pequeno reino,
derradeiro resto dos estados cananeus vencidos pelos israelitas e os filisteus.
Com população muito mesclada, Canaã tinha, no entanto, certa unidade cultural e
religiosa, contrastando com o esfacelamento político da região. Falava-se aí uma
única língua, o cananeu, cuja forma antiga só se pode perceber graças a algumas
glosas de tabuletas babilônias de Tell el-Amarna. A civilização e a religião de
Canaã não são conhecidas pelo testemunho direto dos textos. Mas se admite que
elas se assemelhavam, no essencial, com as que revelaram os documentos de Ras
Shamra, na Síria do Norte, redigidas no século XVI a.C., numa língua chamada
ugarítica.
No sudeste, enfim, residiam os
filisteus, chegados à costa pouco depois da época da instalação das tribos de
Israel. Sua religião e costumes diferiam nitidamente das religiões e costumes
dos povos do Crescente Fértil, enquanto se assemelhavam aos de Creta e da
Grécia. Para Israel, eram os estrangeiros por excelência.
b) Grandes potências. Israel
tinha problemas não só com esses pequenos estados, mas também com as grandes
potências que periodicamente dominavam o Oriente Próximo. Em raros períodos, a
fraqueza dessas potências permitia à Palestina dispor de si mesma; David
aproveitou-se de uma situação dessas para fundar seu reino. Mas, na maior parte
do tempo, a Síria e a Palestina estavam submetidas à pressão de seus grandes
vizinhos.
Primeiramente o Egito, que, por
volta de 3000 a.C., já era um grande estado, com civilização bastante evoluída.
Estendido ao longo do Nilo, estava voltado para a África (a Núbia, ou Etiópia),
mas mais ainda para a Europa e a Ásia. Todo o tempo, os faraós procuraram
dominar a Palestina que, durante longos séculos, foi província egípcia ou
protetorado: quase todos os reis de Judá foram aliados ou satélites do Egito.
Isso explica uma influência cultural prolongada que deixou na Bíblia traços
importantes (em particular aos livros sapienciais).
Depois, a Mesopotâmia: Ela foi
sempre um mundo complexo: todas as raças se entrecruzavam aí, os impérios se
sucediam combatendo-se. O primeiro império mesopotâmico a dominar a Palestina
foi o reino assírio, que começou sua expansão para o oeste no século IX a.C.
Assolou o reino de Israel entre 735 e 721 a.C., enquanto o reino de Judá devia
prestar-lhe vassalagem. A potência assíria, definitivamente vencida em 608
a.C., deu lugar a um reino babilônico governado pelos caldeus (arameus
orientais). Nabucodonosor impôs sua dominação a quase todo o antigo império
assírio e esmagou definitivamente o reino de Judá em 587 a.C. Em 539 a.C., o
rei da Pérsia, Ciro, pôs fim a esse império, cujas província incorporou a um
império muito mais vasto, que se manterá por mais de dois séculos. O governo
persa se mostrará tolerante para com as culturas e as religiões das etnias que
dominava. Neste quadro, a comunidade judaica pôde se reconstituir e prosperar.
Mas, muito antes de confrontar-se
com as potências políticas da Mesopotâmia, a Palestina já tinha relações
prolongadas com esse foco de civilização. Desde 3000 a.C., pelo menos, a Baixa
Mesopotâmia fazia sentir sua influência em toda a extensão do Crescente Fértil.
Dominada sucessivamente pelos sumérios (Ur, Lagash), os acádios (Acad), os
amorreus (Babilônia, Mári), os hurritas (Nuzi), os assírios (Nínive), os caldeus,
os persas e outros ainda, a Mesopotâmia teve uma tradição constante e bastante
homogênea. A criação do império persa acrescentou a essa influência a
contribuição dos povos indo-europeus do Irã.
Vem, por fim, o mundo grego.
Desde o ano 2000 a.C., Canaã sofria a influência da civilização egéia,
influência que cresceu ainda mais a partir da época da dominação persa. Ela se
torna particularmente forte no século IV a.C.: em alguns anos, o macedônio
Alexandre construíra um império que ia do Adriático ao Indo. Com sua morte, em
323 a.C., o império foi dividido entre seus generais. A Palestina pertenceu
primeiramente ao estado dos ptolomeus, que dominava o Egito (Alexandria),
depois ao estado dos selêucidas (Antioquia), que recobria a Síria e a
Mesopotâmia. Embora pertencessem à mesma civilização, chamada helenística,
esses dois estados estavam em perpétuo conflito, e a Palestina mudou várias
vezes de senhorio. Mas não foi apenas porque os gregos ocupavam o território
que Israel se deparou com essa cultura: uma população numerosa helenizada se
tinha instalado na Palestina no curso do século III a.C. No entanto, nessa
época, o judaísmo, havia muito tempo, afirmara sua personalidade, e a
influência grega só o tocou talvez bastante superficialmente. E não sem lutas Obs.:
“Para efeito de história – registro – sito os apócrifos (1 e 2Mc), somente”.
A influência helenística atingiu mais os judeus da diáspora, embora neles
também as referências fundamentais fossem sempre as da cultura e da religião de
Israel.



C)
O CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

O Antigo Testamento não é a
totalidade da literatura produzida pelo povo hebreu. É o resultado de uma
seleção de livros aos quais se reconhece autoridade e que são, por isso,
chamados canônicos (a palavra Kanôn em grego significa “Regra”).
Sobre a formação do cânon do
Antigo Testamento, remetemos o leitor à introdução aos livros deuterocanônicos.
(OBS.: “sendo o meu entender, somente para estudo histórico. Sendo que nesse
sentido, entra os livros
apócrifos – NÃO INSPIRADOS POR DEUS!”).



D) O
TEXTO DO ANTIGO TESTAMENTO E SUA TRANSMISSÃO

I – A língua do Antigo
Testamento
Os livros do Antigo
Testamento foram escritos essencialmente em hebraico. Essa língua semítica –
apresentada, portanto, com o árabe e o babilônico – é bastante diferente das
línguas europeias. Para compreender certas notas, talvez seja útil conhecer
algumas de suas características, que são as mesmas para o aramaico, língua de
alguns textos do Antigo Testamento.
- A maior parte das palavras
(verbos e substantivos, por exemplo) é formada a partir de “raízes”
caracterizadas por consoantes (habitualmente três, o único elemento a ser
escrito, ao menos no princípio). As vogais (variáveis) e um certo número de
prefixos e sufixos servem para indicar as funções gramaticais: gênero e número
dos nomes, modos dos verbos etc. Assim, a raiz brk, que exprime a ideia
de benção, pode tomar formas tais como: barek = abençoar, berak =
ele abençoou, beraku = eles abençoaram, yebarek = ele abençoará, baruk
= abençoado, beruká = abençoada, beraká = bênção.
Como o contexto é que
determina o sentido das palavras, geralmente é fácil constatar na leitura quais
vogais devem figurar em cada palavra: por isso, essa escrita abreviada (sem
vogais) foi suficiente para o hebraico durante o tempo em que permaneceu uma
língua viva. Quando deixou de ser falada pelo povo, foram criados diversos
sistemas para a notação das vogais.
- Nos
verbos, o hebraico exprime sobretudo o aspecto da ação: as noções temporais de
passado, presente, futuro nas quais se desenrola a ação são indicadas pelo
contexto. A forma verbal descreve a ação como realizada ou não-realizada. A
ação realizada corresponde geralmente ao passado (perfeito ou
mais-que-perfeito), mas pode também ter valor para o futuro, se se olhar a ação
em sua totalidade como uma realidade acabada. A ação não-realizada vale
sobretudo para o futuro, mas também para o presente e o passado, quando a ação
continua ou se repete (imperfeito). De fato, só o contexto permite saber se
ação está no passado ou no futuro, mais o próprio sentido do contexto nem
sempre é evidente, o que explica numerosas divergências entre as diversa
traduções da BÍBLIA.
-
Como toda língua, o hebraico possui certo número
de expressões idiomáticas: para falar do santo Templo de Deus, o hebraico diz “o
Templo de sua santidade”; para descrever alguém que empreende uma viagem, o
hebraico diz: “levantou-se e foi”; para apresentar-se diante de Deus o
hebraico diz: “vir ante a face de Deus”.
As primeiras traduções gregas da
Bíblia transpuseram numerosas expressões desse gênero, bem como outros
hebraísmo. Desse modo criaram uma língua particular: o grego bíblico, utilizado
no Antigo Tesamento grego e ao Novo Testamento. A escritura é quase a mesma do
grego que se falava em toda a bacia do Mediterrâneo entre o século II a.C., e o
século I de nossa era; mas muitas palavras tomaram um sentido especial, e esse
idioma utiliza figuras próprias ao hebraico ou aramaico.



II – A TRANSMISSÃO DO TEXTO

1. Os livros transmitidos em
hebraico (ou em aramaico)
a) O texto massorético. Os
livros que o povo judeu, no fim do século I d.C., considerou como livros santos
(Bíblia judaica, Antigo Testamento dos protestantes, livros
protocanônicos do Antigo Testamento para a Igreja católica) foram conservados
em sua língua original (aramaico para uma grande parte de Daniel e algumas
passagens de Esdras, hebraico para todo o resto).
Chama-se texto massorético a
forma textual oficial definitivamente fixada no judaísmo por volta do século X
d.C., época na qual floresciam em Tiberíades, na família dos bem Asher, os
mais celebres massoretas (= transmissores e fixadores da tradição textual). O
mais antigo manuscrito “massorético” que
possuímos foi copiado entre 820-850 d.C., e contém apenas o Pentateuco. O mais
antigo manuscrito completo, o códice de Alepo – hoje, infelizmente amputado -,
foi copiado nos primeiros anos do século X d.C. Nossas Bíblias hebraicas
modernas reproduzem esse texto tal como foi copiado no manuscrito B 19a (L),
de Leningrado (c. 1800).
O fato de a escrita hebraica
anotar de modo preciso apenas as consoantes tornou ambíguos certos textos
bíblico. Por volta do século VII d.C., encontrou-se um meio preciso para anotar
as vogais e para indicar a vocalização tradicional das frases e membros de
frases, graças a um sistema complexo de pontos e de traços que acompanham o
texto consonântico. Assim se fixou por escrito uma tradição de leitura e de
exegese desenvolvida no judaísmo no curso da primeiro milênio de nossa era e da
qual os targumin (traduções aramaicas da Bíblia hebraica) são as testemunhas fiéis. Resquícios de
algumas traduções gregas realizadas sob a influência do rabinato no curso dos
dois primeiros séculos (as de Teodocião, de Áquila e de Símaco) permite remontar
ainda mais longe na história desta tradição de exegese.
b) O texto protomassorético e as
formas textuais não-massoréticas. O texto consonântico que serviu de base para
a atividade das massoretas (= texto protomassorético) já suplantado no judaísmo
todas as outras formas textuais rivais pelo fim do século I d.C.
A partir de 1947, foram
descobertas, às margens do mar Morto, em grutas ao redor da ruína de khirbet
Qumran, alguns rolos de livros bíblicos quase completos e de milhares de
fragmentos abandonados no século I de nossa era. Isso permitiu constatar que,
na época de Jesus, circulavam na Palestina certo número de livros bíblicos em
formas textuais por vezes divergentes do texto protomassorético. Conheciam-se
já, antes da descoberta dos manuscritos de Qumran e do Deserto de Judá, algumas
formas não-massoréticas do texto do Antigo Testamento: por exemplo, aquele que
a comunidade dos samaritanos conservou para o Pentateuco, ou então o que serviu
de base para a antiga tradução grega dos Setenta (Septuaginta). Estas
duas últimas formas textuais, apesar de conservadas em manuscritos mais
recentes que os manuscritos do Deserto de Judá, remontam aos três últimos
séculos antes de Cristo.
Em todas essas formas do texto
pré-massorético podemos encontrar por vezes um texto mais claro e inteligível do
que o massorético. Daí a tentação de muitos exegetas, sobretudo entre 1850 e
1950, de a elas apelar para corrigir o texto massorético nos trechos
considerados alterados. c) Alterações textuais. É certo que
determinado número de alterações diferenciam o
texto proto-massorético do texto original.
-
Por exemplo, o olho do copista saltou de uma
palavra a outra semelhante, situada algumas linhas abaixo, omitindo tudo aquilo
que as separava.
-
Do mesmo modo, certas letras, sobretudo quando
mal-escritas, muitas vezes foram mal-lidas e mal-reproduzidas, pelo copista
seguinte.
-
Ou então um escriba inseriu ao texto que ele
copiava, e às vezes num lugar inadequado, uma ou várias palavras que encontrara
à margem: termos esquecidos, variantes, glosas explicativas, anotações etc.
-
Ou ainda alguns escribas piedosos pretenderam
melhorar por meio de correção teológicas uma ou outra expressão que lhes
parecesse suscetível de interpretação doutrinalmente perigosa.
Algumas dessas alterações podem
ser detectadas e corrigidas graças às formas textuais não-massoréticas, quando
estas se verificam isentas de alterações.
d) Crítica textual. Que forma de
texto escolher? Noutras palavras, como chegar a um texto hebraico o mais
próximo possível do original? Alguns críticos não hesitam em “corrigir” o texto
massorético cada vez que ele não lhes agrada, seja por motivo literário, seja
por motivo teológico. Por reação, outros se atém ao texto massorético, mas
quando ele é manifestamente insustentável, procuram encontrar numa ou noutra das
versões antigas uma variante que lhes pareça preferível. Esses métodos não são científicos, sobretudo o
primeiro. São perigosamente subjetivos.
Atualmente, um melhor
conhecimento da exegese targúmica e das literaturas antigas do Oriente Próximo
permite explicar certas passagens até hoje obscuras.
Mas a solução verdadeiramente
científica consistiria em fazer com a Bíblia hebraica o que se faz com o Novo
Testamento e com todas as obras da Antiguidade: um estudo bastante minucioso do
conjunto das variantes, estabelecendo “a árvore genealógica” dos testemunhos
que possuímos – texto massorético, múltiplos textos de Qumran, Pentateuco
samaritano, versões gregas da Septuaginta (com suas três revisões sucessivas),
da Quinta (de Orígenes), de Áquila, de Símaco, de Teodocião, versões aramaicas
dos targumin, versões siríacas peshitto, filoxeniana, siro-hexaplar, versões
latinas antigas e Vulgata de Jerônimo, versões coptas, armênias etc. - e assim,
sem nenhuma conjetura subjetiva, restabelecer o arquétipo à base de todas as
testemunhas. Geralmente esse arquétipo remonta ao século IV a.C. Em alguns
casos privilegiados (certas passagens das Crônicas), pode-se provar que o
arquétipo assim obtido é o próprio original. Quase sempre o arquétipo está
separado do original por um período mais ou menos longo, e então se está
obrigado, para passar do arquétipo ao original, a recorrer a algumas
conjeturas, com a aplicação prudente de princípios críticos bem estabelecidos.
Infelizmente, os textos de Qumran
ainda não estão todos publicados, e o trabalho crítico exige tanta competência
e pesquisa que ele levará ainda várias décadas.


2. Os livros transmitidos em
grego. Fiel nesse ponto mais a Orígenes do que a Jerônimo, a presente
tradução não quis manter o apego à tradição rabínica a ponto de eliminar os
livros que, desde a fundação, as Igrejas herdaram do judaísmo de língua grega
(classificados como deuterocanônicos na tradição “católica”). Pelo fato
de os judeus de língua hebraica não os terem conservado na lista oficial de seus
livros santos e de o judaísmo ter cessado de assegurar-lhes a tradição textual
no curso do século I de nossa era, eles nos oferecem tradições textuais
geralmente menos unificadas que, por vezes, perderam o enraizamento semítico de
onde a maior parte deles surgira. As introduções a cada um deles justificam as
escolhas textuais realizadas pelos colaboradores desta tradução. LIVROS
APÓCRIFOS!


E)
O SENTIDO DO ANTIGO TESTAMENTO

1. Para
os judeus. Para ler a Bíblia (= “Lei escrita “), o judaísmo elaborou sua
própria tradição interpretativa durante o período rabínico clássico, do século
II a.C. Ao século VIII da nossa era. Primeiramente “Lei oral” ou “tradição dos
antigos” (porque transmitida de mestre a discípulo sem a mediação escrita),
essa tradição foi codificada e posta por escrito na Mishná (que, com o seu
comentário, a Guemará, forma o Talmud) e nas diversas coletâneas midráshicas.
Ela se desenvolve essencialmente sobre dois pontos: a interpretação livre e
homilética, visando alimentar a reflexão religiosa (Hagadá) e a definição das
regras de conduta cotidiana (Halaká). “Lei escrita” e “Lei oral”, texto de
referência e interpretação ininterrupta, constituem a tradição religiosa viva
do judaísmo.
Deixemos a palavra a dois autores
judeus contemporâneos:
“Se existe uma coisa no mundo que
mereça o atributo de divino, é a Bíblia. Há inúmeros livros sobre Deus.
A Bíblia é o livro de Deus. Revelando o amor de Deus pelo homem, ela nos
abriu os olhos, a fim de que pudéssemos ver que aquilo que tem um sentido para
a humanidade é, ao mesmo tempo, o que é sagrado para Deus. Ela mostra como a
vida de um indivíduo pode se tornar sagrada, e sobretudo, a vida de uma nação.
Oferece sempre uma promessa às almas honestas quando perdem o ânimo, enquanto
os que a abandonam vão de encontro ao desastre” (A. Heschel, Dieu em quête
de I' homme, Paris, Seuil, 1968, p. 263 [port: Deus em busca do homem,
São Paulo, Paulinas, 1975]).
“A teologia judaica, ligando o
universalismo da criação ao particularismo de Israel, confirma aquilo que toda
a Bíblia ensina, a saber, que Deus se revela ao homem e que Israel está no
centro da humanidade, criada à imagem espiritual de Deus: “Vós sereis
para mim um povo de eleição entre todos os povos, um reino de sacerdotes, uma
nação santa” (Êx 19,5-6); “Santos vos tornareis, pois Eu sou Santo, Eu, o ETERNO, vosso Deus” (Lv 19,2). {está,
é uma das passagens mais bela que, no meu entender, acho mais linda e
importante – Anselmo Estevan.}”.
“Compreende-se então que o
judaísmo conceda a Bíblia o lugar mais eminente no ensinamento sinagogal, visto
que ela é o “Livro da Aliança” que une Deus a seu povo (Êx 24,7), a carta que,
em Abraão, tornou todo Israel bênção para todas as nações (Gn 12,3), de sorte
que “a terra inteira reconheça um dia e proclame a Realeza e a Unidade de Deus”
(Zc 14,9)” (A. Zaoui, Catholiques, juifs, orthodoxes à la Bíble, t. I, Paris,
cerf, 1970, p. 76).



2. Para
os cristãos. O Antigo Testamento só é antigo em relação ao Novo, isto é, a
nova aliança instaurada por Jesus Cristo. Mas não se deve exagerar a diferença
entre ambos, como se a antiga aliança e a literatura que dela dá testemunho
tivessem caducado. Essa visão das coisas, que foi a de Marcião no século II,
reaparece periodicamente na história da teologia. Ora, ela atinge mortalmente o
próprio Novo Testamento.
a) O Antigo Testamento foi a
única Bíblia de Jesus e da Igreja primitiva. Como livro da educação judaica, de
algum modo, moldou a alma de Jesus. Este assumiu os valores do AT como
fundamentos do seu evangelho: não veio para “ab-rogar” a Lei e os profetas, mas
“para cumpri-los”. Cumpri-los era primeiramente levá-los a um ponto de
perfeição no qual o sentido primitivo dos textos se superasse a si mesmo, para
traduzir em sua plenitude o mistério do Reino de Deus. Cumpri-los era também
fazer entrar na experiência humana o conteúdo real da promessa que polarizavam
a esperança de Israel. Era desvendar o sentido definitivo de uma história
ligada a uma educação espiritual, mostrando sua relação com o mistério da
salvação, consumado pela cruz e ressurreição de Jesus. Era enfim dar à oração
que aí se expressava uma riqueza de conteúdo que ultrapassasse os seus limites
provisórios. Sob todos estes aspectos, Jesus cumpriu em sua pessoa as
Escrituras que estruturavam a fé de Israel.
b) Por isso a Igreja apostólica
encontrou nas Escrituras o ponto de partida necessário para anunciar Jesus
Cristo. À luz da Pascoa, ela não somente rememorou os feitos e gestos de Jesus,
a fim de compreender o seu sentido profundo; também releu todos os textos antigos
que lhe recordavam a história preparatória, com suas peripécias contrastantes,
suas instituições provisórias, seus sucessos e fracassos, seus pecadores e
santos. Não se encontravam esboçados, anunciados e prefigurados já no Primeiro
Testamento a mensagem de Jesus, sua missão redentora, a constituição e o
mandato da Igreja? Por isso os livros do Novo Testamento, sem perder de vista
as lições positivas contidas nos preceitos do Antigo, habitualmente
reinterpretam os textos do AT para fazer emergir neles a presença antecipada do
Evangelho. Dessa forma o Antigo Testamento pôde tornar-se a Bíblia Cristã, sem
nada perder de sua consistência própria, antes adquirindo o estatuto de
Escritura “consumada”.
c) Tal
é a perspectiva na qual a primitiva teologia cristã foi construída, para
explicitar o conteúdo do Evangelho e explicar que é Jesus, Messias judeu e
Filho de Deus. As imagens de Adão e de Moisés, de David e do Servo sofredor, do
Emanuel e do Filho do Homem vindo sobre as nuvens permitiram elaborar a linguagem
fundamental da fé cristã. Certamente a linguagem do Novo Testamento apresenta
diversidade notável. Mas, embora não despreze os recursos do universo
cultural no qual viviam sem autores e leitores, foi tecido com as palavras e as
frases da Escritura, as quais lhe conferem densidade. A relação entre Deus e
seu povo, manifestação de sua graça e fidelidade , tomou assim sua verdadeira
dimensão: tudo aconteceu a nossos pais “para servir de exemplo” e Deus quis que
isso fosse consignado por escrito “para nos instruir, a nós a quem coube o fim
do tempos” (1Co 10,11).
O Novo Testamento, que
conseguinte, pôs as bases de uma leitura cristã do Antigo. Descoberta do
Espírito sob o véu da letra. Revelação do sentido definitivo sob invólucros
provisórios. Tal trabalho não se realizou, no decorrer dos séculos da história
cristã, sem suscitar problemas complexos, que cada época formulou de modo novo.
Herdeiros dessa tradição interpretativa, sempre orientada por uma visão de fé,
vemos esses problemas se apresentarem a nós. Que pode haver de extraordinário
nisso, uma vez que a Palavra de Deus veio até nós no meio de uma história
verdadeiramente humana e sob a forma de palavras verdadeiramente humanas? Para
além dessa história e desses textos, a Igreja se esforça por perceber a Palavra
de Deus da qual é portadora, a fim de lhe responder na “obediência da fé”.
Por isso é importante que a Escritura inteira se tenha transformando no tesouro
comum das Igrejas, divididas por tantos dramas históricos. A obediência comum à
única Palavra de Deus não é o indício mais seguro de uma unidade que se procura
construir? É vivendo da mensagem bíblica, do modo como dela viveram os
apóstolos, que os cristãos de hoje re-encontrarão o caminho da reunificação em
Jesus Cristo.

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