PAI E FILHO COMPARTILHAM O MESMO NOME:

PAI E FILHO COMPARTILHAM O MESMO NOME:
"NÃO HÁ SALVAÇÃO EM NINGUÉM MAIS!".

sexta-feira, 2 de março de 2012

TEHILLIM

INTRODUÇÃO AO LIVRO DE
SALMOS:


SALMOS



INTRODUÇÃO



Visão geral
Autores: Moisés, Davi, Salomão, os filhos de Asafe, Etã,
o ezraíta, e vários autores desconhecidos.
Data: c. 1440-400 a.C.
Propósito: Prover para Israel uma coletânea de cânticos para
a adoração adequada para diversas situações.
Verdades fundamentais:
Yaohu
merece louvor.
Yaohu
protege e resgata os justos quando eles padecem necessidade.
Yaohu irá abençoar o obediente e julgar o desobediente.
A revelação de Yaohu deveria ser o fundamento da adoração.
A verdadeira adoração implica uma vasta gama de emoções que
é fruto de experiências da vida.



A Teologia dos Salmos
Assim como a composição do Saltério aconteceu durante o
período do Antigo Testamento como um todo, assim também a teologia do Saltério
é tão abrangente como a teologia de todo o Antigo Testamento. Martinho Lutero
chamou o livro dos Salmos de “uma pequena Bíblia e o sumário do Antigo
Testamento”.
Nos salmos, no entanto, as verdades teológicas não são
apresentadas de modo sistemático ou abstrato; as realidades transmitidas neles
estão relacionadas à vida e falam no contexto da fé baseada numa aliança.



CRISTO
EM SALMOS.
Os leitores cristãos dos Salmos vêem justamente Cristo
revelado ao longo do Saltério. Todo o Antigo Testamento, incluindo o Saltério,
aguardava a pessoa e a obra do Messias, incluindo não somente aqueles
associados ao seu primeiro advento, mas também aqueles que o Novo Testamento
atribui à sua vinda. O próprio Messias e os escritores do Novo Testamento fazem
extenso uso dos salmos para expressar temas como o sofrimento do Messias (p.
ex., Mt 27,46) e a sua glorificação (p. ex., Mt 22,41-46). Além disso, para o
cristão, o Messias se torna o objeto de culto do Saltério. As orações em forma
de cântico dos Salmos são direcionadas a Yaohu. O Messias – Cristo, como a
segunda pessoa da Trindade, também é o objeto apropriado dos hinos e lamentos
dos Salmos. O Messias é, ao mesmo tempo, o cantor (Hb 2,12) e o tema dos
cânticos. Os que crêem em Cristo podem cantar-lhe o seu louvor (hinos),
apresentar-lhe as suas queixas e petições (lamentos) e agradecer-lhe quando ele
responde às suas orações (ações de graça). Além do mais, eles se lembram do que
ele fez por eles na cruz (salmos de lembrança) e exaltam-no como o seu rei
(salmos reais). Ele é a fonte de sua confiança (salmos de confiança) e a
encarnação da sabedoria de Yaohu (salmos de sabedoria).
Até os salmos que incluem imprecações, ou maldições,
encontram cumprimento em Cristo. Esses salmos clamam pela justificação dos
justos e pelo juízo de Yaohu contra os ímpios (p. ex., Sl 69,22-39). Essas
orações refletem o chamado dos israelitas à guerra santa como os instrumentos
do juízo de Yaohu. Com a vinda de Cristo para sofrer o juízo de Yaohu, a
natureza da guerra do povo de Yaohu, mudou. Agora ela é mais intensa, porém
dirigida, em primeiro lugar, contra “as forças espirituais do mal, nas regiões celestes”
(Ef 6,12). Quando Cristo voltar em glória, o tempo de misericórdia terá chegado
ao fim e as imprecações dos salmos irão se cumprir contra todos os inimigos de
Yaohu.



SALMOS. O livro: Eis a coletânea dos “Louvores”.
Insere-se ela depois da Lei e dos Profetas, encabeçando a terceira seção da
Bíblia hebraica – os “Escritos” –, antes de Jó e dos Provérbios, com os quais
forma uma tríade, dotada, no texto masorético, de um sistema especial de
acentuação. A obra, que a versão grega dos Setenta denomina Psaltérion ou
Psalmoi – donde o título usual de Livros dos Salmos –, contem cento e cinqüenta
poemas.
Assim como o Pentateuco – Similitude sem dúvida
internacional –, o Saltério está dividido em cinco partes (1 – 4; 42 – 72;
73 – 89; 90 – 106; 107 – 150), encerrando-se cada uma delas com uma fórmula
de bênção, ou doxologia. Mas esta repartição geral oculta coleções parciais, de
maior ou menor importância. Com efeito, nota-se a existência de grupos de
salmos que diferem entre si pela preferência que dão a um ou outro dos nomes
dados a Deus – seja ao nome específico do Deus de Israel (o
tetragrama sagrado YHWH,
traduzido por SENHOR
– {DIGA-SE DE PASSAGEM, SÓ POR VONTADE DO “HOMEM” TERIA ESSE
SIGNIFICADO A UMA ENTIDADE CRIADA POR MÃOS HUMANAS...!!! Anselmo Estevan.})
(3 – 41; 90 – 150), seja ao nome comum Elohim, isto é, Deus (42 –
83). É possível identificar também vários grupos internos: entre outros,
“oração de David, filho de Jessé” (cf. 72,20), ou livrinhos dos filhos de Qôrah
(42 – 49; cf. 84 – 85; 87 – 88) e de Asaf (73 – 83; cf. 50), os cânticos das
subidas (120 – 134), os cantos denominados do Reino de Yaohu (93 – 99), a
tríplice Hallel (113 – 118; 136; 146 – 150), no qual ressoa freqüentemente a
aclamação litúrgica “aleluia”. Antes de esses escritos serem reunidos em
um só livro, quiçá pelo fim do século III a.C. – já que é impossível precisar
melhor a data –, fizeram-se desses salmos coleções parciais, independentes e
desiguais. É esta formação progressiva da obra que explica várias anomalias,
em particular a dupla recensão de um mesmo poema (14 = 53; 40,14-18 = 70;
57,8-12+60,7-14 = 108). Fora do Saltério encontram-se salmos isolados,
espalhados em outros livros e pertencentes a épocas diversas, como por
exemplo 1Sm 2,1-10; Is 38,10-20; Jn 2,3-10; Na 1,2-11; Hc 3,1-19; Lm 5; Dn
2,20-23.
Os dois salmos iniciais, muitas vezes contados como um só,
(certos manuscritos, em At 13,33) têm função de prefácio, e a grande doxologia
final (150) encerra não apenas a quinta parte, mas o livro inteiro.


Os títulos. Os salmos da Bíblia hebraica, excetuados
trinta e quatro deles, levam títulos de extensão e caráter variáveis. Esses
títulos, à guisa de ficha individual de identidade, remontam a um período
bastante antigo, já que os primeiros tradutores gregos não mais entediam o
sentido exato deles. Mesmo hoje, apesar dos esforços dos exegetas, muitas vezes
não nos resta senão permanecer em conjeturas ou em silêncio.
A maioria dessas indicações dizem respeito aos autores
tradicionais: Moisés (90), Salomão (72, 127), Asaf (50; 73 – 83; cf. 1Cr 16,
4-7; 25, 1-2; Ne 7, 44), os filhos de Qôrah (42; 44 – 49; 84 – 85; 87 – 88; cf.
2Cr 20,19), Heman (88) e Etan (89; cf. 1Cr 15,7-19; 25,5), Iedutun (39; 62; 77;
cf. 1Cr 16,41-42; 25,1.3; 2Cr 5,12; 29,14; Ne 11,17). Entre esses nomes
sobressai o de David, citado no início de setenta e três salmos, especialmente
no primeiro livro da coletânea, que, por este motivo, se chama com razão de
“grande coleção davídica”. A menção a David vem acompanhada, treze vezes, de
uma alusão a algum evento da vida desse rei. Compreende-se facilmente a
preeminência do “cantor dos salmos de Israel” (2Sm 23,1). David gozava de
reputação de poeta (2Sm 1,17.19-27; 3,33-34), de músico (1Sm 16,16-23; 18,10);
a ele se atribuía a organização do culto e do canto litúrgico (1Cr 15,16; 23,5;
Ed 3,10; Ne 12,36). A poesia israelita certamente existia bem antes de David.
Prova disso é, entre outras, o grito de vingança de Lémek (Gn 4,23-24), a
canção do poço (Nm 21,17-18), o cântico de Moisés e o cântico de Miriâm (Êx
15,1-21), a ode triunfal de Débora (Jz 5,2-31). Entretanto, a tradição
considera que David deu grande impulso à lírica sacra; ela o considera como o
autor mais notável, o animador, o pai espiritual dos salmistas, enquanto justo
perseguido, penitente reconciliado, figura do Messias.
As questões de autenticidade literária oferecem aos exegetas
contemporâneos ampla matéria para discussões. Com efeito, a preposição hebraica
que, nos títulos, precede os nomes das pessoas, presta-se a diversas
interpretações divergentes: pode indicar uma referência ao autor, mas também,
como na literatura agarítica, a pertinência a um ciclo literário ou uma alusão
ao herói do poema. De todo modo, não há que esquecer: os salmos são realidade
viva. Gerações e gerações “re-citaram” esses cantos, sem repeti-los: os fiéis
os reviviam, harmonizando-os com as próprias circunstâncias; ademais, devido à
sua vinculação com o culto, os salmos foram atualizados na liturgia, foram, por
assim dizer, reeditados em função das circunstâncias novas. Antigamente não se
entendia o conceito de autor e a propriedade literária com o mesmo rigor de
hoje. Eis por que a tentativa de fixar a data de surgimento dos poemas em cada
período da história de Israel e de demarcar a sua cronologia esbarra em sérias
dificuldades. Um documento relativamente tardio bem pode provir de tradições
seculares; em contrapartida, compositores recentes ressuscitam as obras dos
seus predecessores, adotam e adaptam material antigo; por vezes encaixam num
escrínio novo fragmentos arcaicos e até, eventualmente, relíquias da literatura
dos povos vizinhos. Prolongar-se-á ainda por muito tempo a discussão sobre
essas questões complexas e difíceis da datação dos textos e das influências
estrangeiras. Felizmente, a data precisa de um salmo não constitui,
normalmente, um dado indispensável para desentranhar o seu significado
essencial e alcance espiritual.
Há títulos de salmos que sugerem o caráter, a natureza das
composições. Avisam-nos que estamos diante de um poema acompanhado por instrumentos
de cordas (mizimor, 57 vezes), de uma oração (tefillá, 86; 90; 102; 142), de um
louvor (tehillá, 145), de um conto de amor ou epitalâmio (45), ou simplesmente
de um canto (shir, 30 vezes). Certos temas resistem à tradução: maskil (32; 42;
44; 45; 52 – 55; 74; 78; 88; 89; 142), shiggayon (7), traduzidos, não sem
hesitação, o primeiro por “instrução” e o segundo por “confissão”. Por vezes
consideramos mais razoável transcrever sem traduzir (cf. 16; 56; 57; 58; 59;
60). A despeito de sua obscuridade, esses termos técnicos apresentam um
interesse inegável: atestam a existência em Israel, de diferentes tipos de
salmos. Esses indícios estimularam os exegetas na pesquisa dos “gêneros
literários”. Seus trabalhos têm levado, no decurso dos últimos anos, a uma
proliferação de classificações.
Outras indicações referem-se à execução musical. Mencionam
freqüentemente (55 vezes) o mestre de coro. É este o sentido provável (cf. 1Cr
15,21; 23,4) de um termo não compreendido nas antigas versões. Designam-se também
diversos instrumentos de música: flautas (5), instrumentos de cordas (4; 54;
55; 61; 76), de oito cordas (6; 12), cítara de Gat (8; 81; 84), a menos que se
trate de uma melodia específica. Para dar sustentação ou acompanhamento aos
coros, utilizavam-se instrumentos diversos: shofar (trompa) e trombeta, harpa,
alaúde e cítara, címbalos e tamborim. O Sl 150 enumera os elementos da
orquestra sacra, “música de Yaohu” (1Cr 16,42). Por detrás de certas expressões
enigmáticas, podem-se discernir indicações referentes à melodias a ser
executadas com os cantos: cerva da aurora (22), os lírios (45; 69), não
destruas (57; 58; 59; 75). Na nossa tradução, muitas vezes nos resignamos a
respeitar o mistério dessas indicações (9; 46; 53; 56; 60; 80; 88).
Finalmente, rubricas que associam expressamente certos
contos a atos litúrgicos: o Sl 30 é destinado à dedicação da Casa. O Sl 92 diz
respeito ao dia de sábado e o Sl 100 à ação de graças. Talvez convenha também
associar a fórmula em memorial (38; 70) a uma função cultual específica. Quanto
aos salmos das subidas ou para as subidas, não cabe dúvida de que pertenciam ao
repertório dos peregrinos que “subiam” a Jerusalém.


Os poemas. A coletânea dos “Louvores” foi
inteiramente redigida em verso. Estes são facilmente perceptíveis na tradução,
pois os versículos dos salmos, na sua apresentação atual, correspondem
praticamente aos versos do texto hebraico.
O mais das vezes, um verso se compõe de dois membros, às
vezes de três. Obedece a um ritmo que, ao contrário do que ocorre nas prosódias
grega e latina, não se fundem na quantidade, isto é, na combinação das sílabas
longas e breves, nem no número das sílabas – como na versificação francesa
clássica –, mas no acento tônico, como na poesia anglo-saxônica. O ritmo mais
freqüente consiste em três acentos em cada membro do verso (3+3); por vezes
esta cadência ternária cede lugar, no segundo membro, a uma cadência binária
(3+2). Este ritmo quebrado ou defeituoso é muitas vezes perceptível na
tradução, já que a segunda parte do verso é mais curta que a primeira. Mas os
poetas hebreus desfrutam de uma liberdade muito grande na escolha e no arranjo
dos ritmos. Há que reconhecer, também, que certos poemas se aproximam bastante
da prosa.
A presença de estribilhos que se repetem a intervalos
regulares (42; 43; 46; 49; 59; 67; 80; 99; 107) permite agrupar um conjunto de
versos equivalente a uma estrofe. A palavra sela, com que se depara dentro dos
cantos, especialmente nos três primeiros livros da coletânea, talvez assinale,
em certos casos, a divisão em estrofes. Traduzimos por pausa este
termo, cuja significação permanece incerta. O mais das vezes, a unidade de
tema ou de sentido justifica as seções internas, destacadas pela disposição
tipográfica. Lugar especial cabe ao longo Sl 119, onde há tantas estrofes
quantas são as letras do alfabeto hebraico. Este poema compõe-se de vinte e
duas estrofes de oito versos, sendo que cada um deles começa pela mesma letra
segundo a ordem do alfabeto (cf. Sl 9 – 10; 25; 37 etc.).
O elemento mais indiscutível da salmodia hebraica, como da
poesia semítica, é o paralelismo, uma espécie de balanceamento dos membros da
frase, comparável a uma rima de pensamento. O paralelismo apresentava várias
formas. Por vezes retoma-se a mesma idéia ou imagem utilizando expressões
equivalentes; temos o paralelismo sinonímico:

Por
que esta agitação dos povos,
este rosnar inútil das nações?

...
E agora, reis, sede perspicazes:
Deixai-vos corrigir, juízes da terra (2,1.10).

Outras
vezes, o poeta procede por contraste ou oposição; temos então o paralelismo
antitético:

Sim,
os que ele abençoa possuirão a terra,
e
os que ele amaldiçoa serão suprimidos (37,22).

Já no
caso de paralelismo sintético, a mesma idéia é expressa com um desenvolvimento
do pensamento:

Cantai
ao ETERNO um canto novo,
cantai ao ETERNO, terra inteira (96,1).

Nem sempre o paralelismo é completo; embora seja
considerado como característica distintiva da poesia hebraica, não o
encontramos em toda parte. Aliterações ou assonâncias, freqüentes, mas de
impossível tradução, estão assinaladas nas notas.



As
famílias dos salmos. O parentesco físico manifesta-se através de traços
comuns: semelhanças externas do rosto, da fisionomia do andar; semelhanças no
falar e no sotaque; comunidade de pensamento, de sentimentos, de problemas e de
tradição. Entre famílias, estabelecem-se alianças que criam afinidades e
mesclas. Também acontece o caso de parentes que não se parecem entre si... O
mesmo ocorre com os salmos. Muitos deles apresentam entre si semelhanças de
estrutura, uma fraseologia e uma tonalidade comuns, supõem situações idênticas
ou análogas, tratam os mesmos temas, mesclam-se entre si para dar origem a
poemas complexos. Falaremos, portanto, de “famílias” de salmos aplicando este
conceito de parentesco com bastante flexibilidade. Uma classificação que
pretenda agrupar todos os salmos deve necessariamente admitir margem para o
provável e até para o conjetural. Com estas ressalvas, propomos três grandes
famílias:
1. Os louvores;
2. As orações de pedido de socorro, de confiança e de ação
de graças;
3. Os salmos de instrução.


1. Os louvores. Esta família conta muitos representantes,
disseminados através de todos os livros da coleção. Segundo uma opinião
amplamente difundida a maioria das “laudes” foram compostas para o serviço
litúrgico e executadas por ocasião das festas de Israel. Há razões plausíveis
para atribuir um ou outro desses salmos a uma solenidade precisa, mas, mesmo
que seja tentador querer recompor o roteiro das diversas cerimônias litúrgicas,
tais reconstituições são hipotéticas. O aspecto comunitário, fortemente
acentuado, manifesta-se através de diálogos, coros, estribilhos, aclamações,
responsórios, como Amém! Aleluia! A participação coletiva traduzia-se também
por cortejos, procissões, espetáculos: danças, aplausos, genuflexões,
prostrações.
Os louvores costumam adotar a mesma estrutura. Desde os
primeiros versos, o sinal é dado por um invitatório, de extensão maior ou
menor, e às vezes por uma simples exclamação. Ora o salmista interpela-se a si
mesmo (103; 104; 146), ora – o mais das vezes – lança seu apelo à comunidade,
às diversas classes do povo, aos elementos da natureza (148) e até aos liturgos
do culto celeste (29; 148). Este prelúdio ou introdução indica o tom, cria uma
atmosfera de júbilo. Por vezes, desde o início, o poeta sugere os motivos de
louvor que desenvolverá no corpo do poema. O salmo termina de maneiras
distintas: retomada parcial ou total da introdução, resumo dos motivos, fórmula
de bênção, oração ou desejo. Há variantes que quebram a uniformidade desta
estrutura; são impostas pela diversidade das situações e também pelo fato de os
louvores não terem todos a mesma destinação: referem-se a Yaohu, a Sião e ao
Templo, ao rei.
a) Os hinos que se dirigem ao ETERNO da Aliança formam um
grupo compacto (8; 19; 33; 100; 103; 104; 111; 113; 117; 135; 136; 145 – 150;
cf. 78; 105). Israel canta sua fé no Deus – Yaohu – único, eterno,
todo-poderoso, onisciente, criador, ETERNO da história, sempre fiel ao povo por
ele escolhido. Esses louvores são a resposta da comunidade à palavra do seu
ETERNO, a reação de um povo que não cessou de encontrar na sua história o Yaohu
vivo, seu guia, juiz, defensor, libertador. Salmos históricos, como 78 e 105,
celebram em forma de hino os feitos, as “maravilhas” ou os “milagres” de Yaohu,
tais como se nos manifestam através da história da salvação. Esses atos de
Yaohu são palavras, sinais, epifanias, da mesma forma que as palavras divinas
equivalentes a atos. O louvor que brota dos lábios de Israel não decorre de
reflexões filosóficas, mas da experiência espiritual deste povo.
Nas suas descrições da natureza, os salmistas são
tributários das concepções vigentes em sua época; são muito mais testemunhas de
sua contemplação religiosa do universo do que de uma visão poética do cosmo. Os
fenômenos atmosféricos, a alternância das estações escondem e revelam as
intervenções divinas. A natureza manifesta por transparência a presença do seu
autor.
Certos comentadores têm relacionado determinadas
passagens dos louvores ao Criador com a literatura extrabíblica: O canto dá tempestade (29)
recordaria os hinos em honra do BAAL cananeu; o início do Sl 19 conteria
reminiscência das orações ao deus-sol; o cântico da criação (104) se inspiraria
no hino egípcio ao deus Aton. Entretanto, os salmistas não plagiam; eles
extraem seus modelos eventuais de RAS SHAMRA-UGARIT, da Babilônia e do Egito.
Eles cantam o Deus único; se haurem de outras fontes, assimilam; sua alquimia a
tudo transmuda: O ETERNO não se confunde com uma força cósmica; ele é antes
de tudo YAOHU – o DEUS da História universal e da história de Israel.
b) Os cantos do “Reino” (93; 96 – 99; cf. 47) assemelham-se
aos hinos. No Saltério, foram agrupados devido às suas afinidades especiais, à
sua tônica universalista, à aclamação que ressoa em vários deles: O ETERNO é
rei! (93,1; 96,10; 97,1; 99,1; cf, 98,6). Celebram com entusiasmo a Yaohu
entronado, rei e juiz de Israel, ETERNO dos povos. A origem de tais salmos
lança raízes no culto (96,8-9; 99,5). A alegria transborda neles como em um dia
de dedicação: Israel, os povos, as ilhas, todos os elementos do universo
explodem em gritos de júbilo. Seriam esses salmos – que certos exegetas
assemelham a cantos de entronização – utilizados por ocasião de uma liturgia
determinada, como a festa dos Tabernáculos, de Jerusalém, do Ano Novo? É
impossível responder com certeza a esta pergunta. Certos comentadores enfatizam
pontos de contato com a última parte do livro de Isaías (cf. Is 52,7) e
descobrem nesses cânticos novos (96,1; 98,1) perspectivas escatológicas.
Contudo, no culto de Israel o presente atualiza o passado e antecipa o futuro:
ao fazer reviver o passado, a liturgia reaviva a esperança.
c) Os cânticos de Sião exaltam Jerusalém e seu Templo (46;
48; 76; 84; 87; 122; cf. 24,26; 132). Sião acumula títulos brilhantes: capital
da dinastia davídica, metrópole religiosa, a mais santa das moradas do
Altíssimo, cidade de Yaohu, cidade do grande rei. Esta ladainha de louvores
dirige-se em última instância ao próprio ETERNO, que escolheu o monte Sião por
residência e lugar de descanso. O Sl 132, talvez cantado para comemorar a dupla
escolha da cidade e do seu rei, parece fazer eco ao relato de 2Sm 7. O autor do
Sl 68 narra, num estilo épico crivado de reminiscências de antigos poemas, a
cavalgada vitoriosa, ou melhor, a procissão solene da arca para o seu lugar
definitivo. A nova capital, fundada sobre as montanhas santas, reinvidica o
título de Extremo Norte (48,3) que a mitologia cananeu atribuía à morada de BAAL.
E muito mais: o Sinai está no santuário! (68,18). A presença permanente do
Todo-poderoso assegura a estabilidade, a segurança dessa cidade que se torna um
refúgio invencível. Daí a confiança absoluta do povo, mesmo nas mais dramáticas
situações. Os cânticos de Sião esboçam uma espécie de mística que idealiza a
cidade, futura metrópole dos povos (87). Há exegetas que falam, neste contexto,
de escatologia. Diremos uma vez mais que a liturgia antecipa: celebra no hoje
cultual o desabrochar do amanhã, o futuro da cidade predestinada (cf. Is 2,2-4;
60; Mq 4,1-3; Zc 8).
Inspiração idêntica anima o grupo dos salmos das subidas
ou para as subidas (120 – 134). Segundo a Mischná, os levitas executaram
esses cantos nos quinze degraus do Portal de Nicanor. Admite-se facilmente
que os peregrinos utilizavam esses salmos ao “subir” a Jerusalém. Não obstante
seu parentesco, esses poemas, muitas vezes bastante breves, e provavelmente de
origem tardia, apresentam formas literárias diferentes, até híbridos; tratam de
assuntos variados.
d) Se os “salmos do Reino” celebram o Rei por excelência, o
ETERNO, os salmos régios glorificam os monarcas do reino temporal
(2; 18; 20; 21; 45; 72; 89; 101; 110; 132; 144). Por ocasião da consagração, da
entronização e da coroação, do aniversário da subida ao trono, de um casamento
de príncipe, antes de empreender uma guerra ou após uma vitória, tanto na
provação como no êxito, desenrolavam-se cerimônias no palácio real e no Templo.
Da diversidade das situações deriva a diversidade dos cantos: Homenagem ao rei
e à sua dinastia, hinos, ações de graças, súplicas, desejos, oráculos etc.
Esses cantos de circunstância oferecem, pois, uma ampla variedade no tocante à
sua estrutura, seu fraseado influenciado pelo protocolo da corte, seus temas. Seu
ar familiar lhes advém do ambiente de origem – a corte – e do personagem ao
qual concernem – o rei. A honra prestada ao chefe da nação teocrática reverte
para o ETERNO. Com efeito, o monarca é filho adotivo de Yaohu e seu herdeiro.
Ungido do ETERNO, este “messias” ocupa o trono à destra do Altíssimo: Ele é o
beneficiário da estabilidade e da perenidade do trono de David, ao mesmo tempo,
o “trono da soberania do ETERNO sobre Israel” (1Cr 28,5). A promessa feita a
David por intermédio de Natan aflora várias vezes nesses salmos (2,6-7; 45,7;
89,4-5.20-38; 132,10-12). Há íntima ligação entre os poemas régios, os cantos
do Reino, os cânticos de Sião; todos esses salmos trazem em seu bojo uma
promessa de plenitude: expectativa do Messias, espera do reino definitivo de
Yaohu, expectativa de uma metrópole ideal.


2. Orações de pedido de socorro, orações de confiança e de
ação de graças. Assim como as “laudes”, estas orações contêm louvores ao ETERNO
poderoso e justo, benfeitor supremo. As três categorias podem ser agrupadas em
uma família específica. Sua origem comum é uma situação de angústia: O pedido
de socorro, como a oração de confiança, acompanhada ou precede uma crise; a
ação de graças descreve o desdobramento feliz dessa crise, agradece ao autor da
libertação. Por vezes, em um único salmo (22; 30; 31; 54; 56; 61) vão muito
intimamente associados à súplica, a confiança e o reconhecimento. Essas orações
emanam ora de um indivíduo, originando-se mais da piedade pessoal, ora da
comunidade congregada para uma cerimônia litúrgica (cf. Jl 1,33; 2,17). Aliás,
não convém exagerar esta distinção entre o indivíduo e o coletivo, entre a
piedade pessoal e o culto litúrgico. Mesmo quando ora a sós, o fiel não é um
solitário, ele se reconhece solidário com o povo de Yaohu (cf. 25,22; 28,9;
61,7; 63,12; 69,36) e não é estranho ao culto (cf. 5,8; 28,2; 140,13-14). Além
do mais, o “eu” do salmista muitas vezes é o eco de uma coletividade – por
exemplo, no caso em que um personagem oficial, sacerdote ou rei, fala em nome
de um grupo. E por fim, os salmos que originariamente exprimiam a devoção
pessoal e espontânea de um fiel angustiado ou de um coração reconhecido,
transformaram-se em orações comunitárias ao serem reunidos no saltério.
a) Os pedidos de socorro, individuais ou coletivos,
desenvolvem-se via de regra em um ritmo de quatro tempos: Invocação do nome
de: YAOHU seguida de um brado de
imploração, exposição da situação, súplica, certeza do atendimento. Esta estrutura admite variantes: O salmista
acrescenta, omite, entremeias, inverte, repete. Uma efusão lírica e apaixonada
não obedece a uma lógica rígida. Com bastante freqüência, deparamos com
oráculos no decurso da súplica.
As orações individuais ocupam, sozinhas, quase a quarta parte da
coleção dos salmos (5; 6; 7;
13; 17; 22; 25; 26; 28; 31; 35; 36; 38; 39; 42; 43; 51; 54 – 57; 59; 61; 63;
64; 69; 70 [=40,14-18]; 71; 86; 88; 102; 109; 120; 130; 140 – 143). É mais
freqüente as pessoas queixarem-se do que jubilarem! A descrição da aflição
permite descobrir nas queixas dos que são atingidos por ela a condição concreta
dos suplicantes, suas provações pessoais ou as de seu povo: penitentes, doentes, perseguidos,
acusados, refugiados, exilados ou deportados, Na maior parte das súplicas agita-se uma turba de inimigos: Esses adversários
se encarniçam sobre suas vítimas, sem poupar os doentes. Para designar seus
perseguidores, os salmistas usam um vocabulário copioso, que embaraça os
tradutores e os comentadores, que se esforçam por identificar esses personagens
hostis. Pintam a atividade dos agressores recorrendo a traços mais ou menos
convencionais, hauridos da literatura sapiencial, a metáforas numerosas e
variadas: Guerreiros, caçadores equipados com redes e laços, bestas ferozes
sedentas de sangue, leõezinhos, touros, búfalos, cães, serpentes etc. Os
inimigos, para atingir seus objetivos, recorrem a todo tipo de procedimentos,
em particular a palavras maldosas e malfazejas: Falsos testemunhos, calúnias,
maledicências, maldições – práticas que fazem pensar nos malefícios das bruxas.
Em suas tribulações, os salmistas invocam, a justiça de Yaohu e, às vezes,
proferem imprecações inspiradas na lei do talião. Seus gritos de angústia nos
lembram as queixas de Jeremias e de Jó.
Para compreender estas
orações, em particular as dos doentes e de todos os que se encontram em perigo
de morte, há que situar-nos na perspectiva desses infelizes, no contexto religioso e social de sua
época. Os salmistas não podiam
gozar da felicidade senão na terra dos vivos (27,13). Esta concepção implica um
conjunto de noções relativas à constituição física do homem, à sua vida, à sua
condição no Além, às modalidades da justiça de Yaohu, ainda imperfeitamente
conhecidas na época. A antropologia bíblica não coincide com a nossa; ela
ignora, em particular, a nossa distinção entre corpo e alma. O temo hebraico
que estaríamos tentados a traduzir por “alma” possui, na realidade,
vários significados, que aparecerão na presente tradução: Garganta, goela,
apetite, voracidade, sopro, vida; muitas vezes ele equivale ao simples pronome
pessoal. Considerava-se a vida ou a vitalidade como uma força que varia de
intensidade: As doenças, os estados dolorosos, as adversidades, os ataques dos
inimigos diminuem a vida, submetem o homem ao domínio do inimigo por
excelência, a Morte. Eis por que os doentes e os perseguidos se lamentam de
descer à morada dos mortos, onde reinam as trevas, o silêncio e o esquecimento.
Esta necrópole situada nas “profundezas da terra” é por eles denominada sheol, às vezes traduzido por “os ínferos”, isto é, os lugares inferiores, que
não se devem confundir com o “Inferno”. A intervenção libertadora de Yaohu
revigora os aflitos e os revivifica.
Certos infelizes
consideravam seus sofrimentos como uma punição dos pecados conhecidos ou
ocultos. É natural que busquem na autoconfissão um meio de desarmar a cólera
divina. A confissão das faltas atrai o perdão, e a graça divina proporciona a
libertação. Sete orações (6; 32; 38; 51; 102; 130; 143) foram adotadas nas
liturgias cristãs para formar o grupo dos “salmos penitenciais”. O Miserere
(51) e o De profundis (130), que figuram entre essas súplicas, revelam uma
grande maturidade espiritual.
As orações coletivas de
pedido de socorro (12; 44; 58; 60; 74; 79; 80; 83; 85; 90; 94; 108; 123; 137;
cf. 77; 82; 106; 126), que apresentam a mesma estrutura que os individuais,
pressupõe uma calamidade pública: Derrota militar, invasão estrangeira,
massacres e destruições, profanação do Templo, opressão dos pequenos pelos
grandes, dos justos pelos ímpios, tirania dos poderes estabelecidos. Israel
brada sua angústia e, para apressar sua liberação, suplica ao ETERNO,
multiplicando os motivos de intervenção: Alega sua inocência (44,18) ou
confessa seu pecado (79,8-9), evoca os grandes feitos do passado (44,2-9;
74,2.12-17), em especial a Aliança (74,20). O que está em jogo é a honra de
Yaohu (74,18; 79,10.12), sua fidelidade e lealdade a Israel (44,27). A causa do
povo eleito identifica-se com a do ETERNO.
b) A confiança, chave
motora dos pedidos de socorro, ocupa o primeiro plano e constitui o tema
predominante de alguns salmos (3; 4; 11; 16; 23; 27; 62; 121; 131; cf. 91).
Estes cantos, de grande alcance espiritual, talvez provenham dos meios
levíticos. Os salmistas cantam sua segurança na paz e na alegria (23,4-5;
27,1.3; cf. 3,7; 4,9; 131,2-3), sua intimidade permanente com Yaohu (16,5-11);
professam sua fé (16,2.4-5; 62) e convidam seus compatriotas a imitar sua
experiência. A alegria e a segurança proporcionadas pela comunhão com Yaohu são
muitas vezes associadas ao Templo, no qual Yaohu se manifesta (11,7; 16,11), e
de onde ele atende os fiéis que se refugiam junto a ele (3,5; 11,4; 23,6;
27,4). Os três salmos 115, 125 e 129 exprimem a confiança da coletividade.
c) As orações individuais
de ação de graças são relativamente pouco numerosas (9; 10; 30; 32; 34;
40,2-12; 41; 92; 116; 138; cf. 107). Já nos pedidos de socorro anunciava-se
esboçava-se a ação de graças (22,23-32; 56,13-14). Atendida a sua prece, o fiel
sobe ao Templo, acompanhado de seus parentes e amigos, para cumprir suas
promessas. Parece, portanto, que o meio originário dos salmos de ação de
graças, tanto individual como coletivo (66; 67; 118; 124; cf. 65; 68), foi a
cerimônia litúrgica. A estrutura de tais salmos engloba, via de regra, os
seguintes elementos. Depois de uma introdução ou proclamação que, com
freqüência, desenvolve temas característicos dos hinos (9,3-12; 92,2-7;
118,5-18), o salmista evoca o perigo por que passou, a oração feita na
provação, a inversão da situação graças ao socorro divino. O salmo fecha com um
convite à assistência. O Sl 107 merece atenção especial. Nesta liturgia
desfilam, sob a direção de um animador, quatro grupos de privilegiados:
caravaneiros, retornados do deserto, cativos libertados, doentes curados,
náufragos sobreviventes do mar. As estrofes, de composição idênticas – ações de
graças em miniatura – comportam uma descrição, um invitatório e um estribilho.
Com clareza ainda maior adivinham-se as pulsações da liturgia no Sl 118, que,
sob a aparência de uma oração individual de agradecimento, exprime a gratidão
de Israel para com seu Libertador.


3. Salmos de instrução.
Elementos sapienciais e didáticos estão presentes já nas duas grandes famílias
de salmos precedentes. Mas certos salmos têm por objetivo especial instruir (cf.
os títulos: maskil, “para ensinar”, 60,1). A pedagogia não está amarrada a uma
única forma literária. Efetivamente, constatamos que os salmistas empregam
diversos métodos: lições da história, exortações à maneira dos profetas,
admonições litúrgicas, reflexões sapienciais sobre problemas de moral etc. A
exemplo dos sábios, utilizam o gênero proverbial, esquemas escolares como o
alfabetismo (37; 112; 119), que facilita a memorização e significa a intenção
do salmista de tudo dizer. Vê-se, portanto, que essa família de salmos
apresenta uma unidade bastante vaga; o traço comum é, no caso, a intenção
pedagógica.
a) Três salmos (78; 105;
106) evocam longamente a história sagrada. Orquestram os temas principais que o
compõem: tradição patriarcal, dominada pela Promessa e pela Aliança (105);
Êxodo, precedido e acompanhado por maravilhas; marcha no deserto e revelação do
Sinai; entrada na posse da herança (78; 105; 106). Os salmistas não se limitam
a enumerar fatos brutos; desentranham o significado dos fatos, os títulos de
glória do ETERNO (78,4; 105,1.5), os testemunhos da fidelidade, da lealdade, da
paciência e da misericórdia de Yaohu. Essa visão retrospectiva determina
atitudes práticas, como ensina o Deuteronômio.
b) A preocupação didática
aparece também em certas “liturgias” (15; 24; 134; cf. 91; 95). Uma cerimônia,
por exemplo, a chegada à porta do santuário (cf. 24,7; 118,20), propicia a
ocasião de lembrar as condições exigidas para entrar no Templo, comparecer
perante Yaohu e permanecer na sua presença.
c) Exortações proféticas
(14; 50; 52; 53; 75; 81; cf. 95), entremeados de oráculos, de promessas e
ameaças, no estilo deuteronômico (81), insistem na piedade autêntica e
exigências da Aliança, denunciam a perversão e a impiedade (14; 52; 75). O Sl
50 condena a crença popular em uma eficácia automática dos sacrifícios,
independente das condições morais: O ETERNO não é devedor do homem: O homem é
devedor de Yaohu.
d) Um último grupo merece
plenamente o título de salmos de instrução (1; 37; 49; 73; 112; 119; 127; 133;
cf. 128; 139). Entre os temas abordados nesses poemas sapienciais, a Lei ocupa
lugar privilegiado (1; 119; cf. 19,8-14). Meditada com amor, ela é uma fonte
inesgotável de benefícios. Os salmistas proclamam a felicidade do justo, a
ruína do mau; ventilam o problema da retribuição. Os fatos nem sempre se
ajuntavam ao ensinamento tradicional: ímpios são bem-sucedidos, justos
fracassam. Anomalia angustiante para quem crê. Diante disto, alguns salmistas
bradam quase em desespero, passam por uma verdadeira crise de fé (73). Mas, sob
o aguilhão da provação, depuram suas idéias e sentimentos. Estariam com isso
pressentindo uma retribuição que, no Além, restabelecerá o equilíbrio
inexistente na terra? Talvez se possa afirmar que esperanças nesta linha transparecem
em algumas afirmações ainda imprecisas (49,16; 73,24; cf. Gn 5,24; 2Rs 2,1-11).


O Saltério, no passado e no presente. Por volta de meados do século II a.C., o texto hebraico dos Salmos foi
traduzido para o grego, para uso dos judeus da Diáspora – é a chamada versão
dos Setenta, ou Septuaginta. O Psaltérion, encaixado entre o livro de Jó e os Profetas, contém um
salmo suplementar (Sl 151). A numeração dos poemas não é totalmente
idêntica à do texto hebraico masorético. Com efeito, por duas vezes ocorre o
caso de um salmo, único no texto hebraico, estar dividido em dois na
versão grega (Sl 116 e 147). Inversamente, e também aqui por duas
vezes, dois salmos da coletânea hebraica (9 e 10; 113 e 114) correspondem a um único canto da
Septuaginta. Donde uma defasagem na numeração. O quadro abaixo evidencia estas
diferenças.
HEBRAICO.
GREGO e VULGATA.
1 – 8 = 1 – 8
9 – 10 =
9
11 – 113 =
10 – 112
114 – 115 =
113
116 =
114 – 115
117 – 146 =
116 – 145
147 =
146 – 147
148 – 150 =
148 – 150


Adotamos aqui a
numeração hebraica.
Salmos que, na Bíblia hebraica, eram “órfãos”, desprovidos de título,
na Bíblia grega aparecem enriquecidos de dados novos: 84 poemas são atribuídos a David, outros a diferentes autores a
Jeremias, Ezequiel, Zacarias, Ageu, aos filhos de Ionadab, por vezes com
informações inéditas sobre as circunstâncias de composição. A Septuaginta interpretou a seu modo as
indicações obscuras dos títulos hebraicos. Quanto à sua versão, ela, às vezes, fornece, apesar das alterações,
a possibilidade de reconstruir, em certos pontos, um texto que parece mais
correto. A Septuaginta
manteve-se como a versão canônica das Igrejas de língua grega, constituindo
também a base para traduções oficiais de várias Igrejas orientais. Extratos de três outras versões gregas,
elaboradas por Áquila, Símaco e Teodocião, datadas de meados do século II d.C.,
chegaram até nós mercê das citações dos Padres gregos e, sobretudo através do
que nos sobra da Héxapla de Orígenes (início do séc. III).
A coletânea dos “Louvores”
ocupava lugar de honra em Qumran. Com efeito, exumaram-se das grutas do Deserto
de Judá fragmentos, salmos isolados e um grande rolo dos Salmos provenientes da
gruta 11. Além disso, os Hinos compostos em Qumran permitem a comparação com os
salmos canônicos: Este confronto ressalta a originalidade dos textos
bíblicos. Israel, através da sua história muitas vezes tormentosa,
continuará a recitar, a meditar e a cantar o Saltério, por ocasião de suas
festas nacionais e religiosas, no ritual sinagogal, no lar – tanto que se pôde
escrever que os judeus nascem com este livro nas entranhas. O Targum dos
Salmos, tradução e paráfrase em aramaico remonta, em sua forma oral, a uma
tradição relativamente antiga e, sob este aspecto, merece ser consultado pelos
tradutores modernos, valendo o mesmo para os grandes comentários dos rabinos
medievais, como Ibn Ezra e Rashi.
No Novo Testamento, os
salmos ocupam um lugar privilegiado: são citados mais de 100 vezes, Yaohushua,
para demonstrar a grandeza absoluta do Messias, argumentando a partir do
Sl 110 (Mt 22,41-46); recita com seus discípulos os cantos do “Hallel” que
encerravam a ceia pascal (Mt 26,30); na cruz ele pronuncia o início do Sl 22
(Mt 27,46); morre murmurando um versículo do Sl 31 (Lc 23,46). O hábito de
recitar e de cantar salmos, atestado nas primeiras comunidades cristãs (1Co
14,26; Ef 5,19; Cl 3,16; Tg 5,13), propagou-se cedo na devoção particular e na
liturgia oficial.
Desde o fim do século I da
nossa era ou no início do século II, o Saltério foi traduzido para o siríaco.
Conhecemos esta antiga versão sob o nome de Peshitta: Ela reflete um texto
hebraico próximo ao nosso hebraico masorético e apresenta, para numerosos
salmos, títulos específicos. Um pouco mais tarde, pelo fim do século II,
aparecem na África e em Roma as mais antigas versões latinas. São Jerônimo, no
século IV, entregou-se à tarefa de aprimorar a tradução latina calcada sobre um
texto grego: Corrige-a com
base no grego da Septuaginta
(“saltério romano”); posteriormente retoma seu trabalho de revisão, utilizando
desta vez a Héxapla de Orígenes (“saltério galicano”); finalmente apresenta uma
tradução diretamente do hebraico (psalterion iuxta Hebraeos). É a segunda
revisão de Jerônimo que faz parte da Vulgata latina; este texto, após
novas e interessantes correções, foi publicado e incorporado, em 1971, à
“Liturgia das Horas” do rito romano.
Nas notas desta tradução, o
leitor deparará com as variantes mais características das diversas versões:
Grega, Aramaica, Síríaca, Áquila, Símaco, Teodocião, Jerônimo; a Vulgata é
citada somente quando seu texto difere da Septuaginta.
A esta longa história, aqui
esboçada, corresponde toda uma história espiritual. Efetivamente, gerações
inteiras de crentes, judeus e cristãos de todas as confissões,
têm inspirado sua oração e sua vida nos salmos. Esses textos bíblicos têm
suscitado, desde a era patrística, homilias e comentários; têm animado a
piedade individual e coletiva; têm provocado pesquisas exegéticas. De todos os
livros do Antigo Testamento, o Saltério foi o primeiro a difundir-se em
francês (pelo ano de 1100), e a partir do século XVI as traduções e as
paráfrases em versos se têm multiplicado. Assinalemos, em particular, a célebre
versão alemã de Lutero. A renovação litúrgica levada a efeito nas Igrejas
cristãs favorece a difusão da coletânea dos “Louvores”. É certo que a
piedade autêntica brota do coração e não se nutre de estereótipos literários. Mas o Saltério não nos oferece orações já
feitas; oferece-nos orações a ser feitas, sugere-nos “cantos novos”. {Ver mais
adiante, o termo, “cristão”. E, o “REMANESCENTE...”}. ANSELMO ESTEVAN.

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